Uma operação da Polícia Federal realizada nesta manhã em cinco cidades na Bahia e em outros dois estados brasileiros cumpre seis mandados de prisão temporária e 47 de condução coercitiva contra os líderes de uma seita religiosa que tomavam posse do patrimônio dos seus fiéis e os forçava a realizar trabalhos em condições análogas a de
escravos.
Alvo da Operação Canaã em 2013, a seita 'Jesus A Verdade que Marca' tinha seis mil adeptos na ocasião. Ela conseguia integrantes em São Paulo para trabalhar sem salário em fazendas e indústrias no interior de Minas Gerais.
A operação desta segunda-feira (17), intitulada 'De Volta para Canaã', investiga os integrantes do mesmo grupo religioso. Os fiéis, segundo a Polícia Federal, eram convencidos a doar todos os seus bens para os líderes, e obedecê-los cegamente.
As regras incluem a proibição do marido dormir com a mulher, o confinamento em fazendas e alojamentos e o veto a TV e internet. O argumento usado era que a convivência se daria em uma comunidade onde "tudo seria de todos", só que os fiéis eram obrigados a trabalhar sem qualquer espécie de pagamento.
A estimativa é de que o patrimônio recebido pelos líderes seja de mais de R$ 100 milhões, afirma a Polícia Federal. Parte desse patrimônio foi convertida em grandes fazendas e casas e veículos de luxo. Entre os 129 mandados judiciais cumpridos pela PF hoje, 70 são de sequestro de bens obtidos pela seita.
Os mandados de prisão temporária, busca e apreensão e condução coercitiva estão sendo cumpridos nas cidades baianas de Barra, Cotegipe, Ibotirama, Morporá e Remanso, assim como em sete cidades em Minas Gerais e em São Paulo.
Mais de 190 policiais federais realizaram inspeções em propriedades rurais e em algumas empresas. Os envolvidos vão responder pelos crimes de redução de pessoas à condição análoga à de escravo, tráfico de pessoas, estelionato, organização criminosa, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro.
A seita já estava sendo investigada
Uma seita que arrebanha integrantes na capital paulista para trabalhar sem salário em fazendas e indústrias no interior de Minas Gerais já reúne cerca de 6 mil pessoas. Para ser aceito no “mundo paralelo” do grupo Jesus A Verdade que Marca, é preciso, segundo a polícia e ex-integrantes, doar casa, carro e os demais bens para os líderes e obedecê-los cegamente. As regras incluem a proibição do marido dormir com a mulher, o confinamento em fazendas e alojamentos e o veto a TV e internet.
Durante a Operação Canaã, deflagrada pela Polícia Federal na terça-feira, dois líderes da seita - cujos nomes não foram revelados - acabaram presos por apropriação indébita ao serem flagrados com cartões do Bolsa-Família de integrantes do grupo. Para a PF, o discurso religioso é um atrativo para cooptar mão de obra escrava. “É um grupo extremamente fechado, que busca pessoas em situação vulnerável e as mantém nas propriedades com uma alta carga de doutrinação”, diz o delegado João Carlos Girotto.
O advogado do grupo, Leonardo Carvalho de Campos, argumenta que as fazendas nas cidades de Minduri, São Vicente de Minas, Madre de Deus e Andrelândia são apenas associações de agricultura comunitária. Depoimentos de ex-integrantes destoam do que ele diz. Um aposentado de 72 anos conta que o pastor Cícero Vicente de Araújo, líder da seita, o convenceu a doar tudo o que tinha porque “todas as estradas iam se fechar e colocariam chips na cabeça das pessoas”.
“O pastor disse que só quem fosse para aquela região de Minas conseguiria viver bem.” Há três anos, o homem tenta reaver na Justiça os R$$ 32 mil de um carro e parte do dinheiro de uma casa que vendeu para aderir à seita. Para manter os fiéis, o ex-adepto conta que os pastores afirmavam que as pessoas que saíssem seriam amaldiçoadas. “Eles diziam que os demônios destruiriam aqueles que saíssem e passavam uns filmes da inquisição.” $Carne$ Apesar de todos se tratarem por irmã ou irmão, os ex-membros relatam disparidade de tratamento.
“Eu passava as noites limpando tripa, cabeça e pé de boi para comermos. A carne ia para os líderes”, contou uma ex-adepta da seita, de 42 anos, que vendeu a casa e doou para o grupo. A vigilância é outra característica, diz ela. “Minhas duas filhas, de 20 e 22 anos, ficaram lá e há dois anos não as vejo.” Um médico do Programa de Saúde da Família conta que os integrantes não ficam desacompanhados nem durante as consultas. A PF não localizou o pastor Araújo. A suspeita é de que ele esteja articulando a expansão da seita para a cidade de Ibotirama, na Bahia.
Publicamente, o grupo tenta se desvincular do caráter religioso e formou seis associações de agricultores. A polícia crê que as entidades, com fazendas arrendadas, sirvam como fachada para um esquema de lavagem de dinheiro, supressão de direitos trabalhistas e formação de quadrilha. Uma lista com nome dos eleitores fará a investigação verificar a possibilidade de manejo político. Dois vereadores da região são identificados com a seita. Ex-fiéis afirmam que Araújo os arrebanhou em igrejas na Lapa, zona oeste da capital, e Osasco. Os templos mudam constantemente de endereço. A PF averigua a existência de um novo na região da Sé.
Correio24hs/estadão
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